Conto 02 – “Sem nome” (por Matheus Moledo)

Dois viajantes adentraram a cidade de Cim de madrugada pela rua principal. Um deles, com gotas de suor escorrendo pelo rosto demonstra cansaço. Está usando uma jaqueta vermelha por cima de uma camiseta branca, traja uma calça escura e resistente. Tem cabelos curtos e negros e manteêm o rosto sem barba. Na cintura carrega uma espada embainhada, na empunhadura existe algo se assemelha a um pequeno motor. O rapaz veio de Newho, porém gosta mais de armas brancas, se denominando um faqueiro. Seu companheiro de viajem tem o rosto escondido por um capuz negro, seu roso é branco como neve e usa óculos com lentes redondas e escuras da mesma maneira. Seu traje é uma manta negra que lhe cai até os pés aumentando o ar de mistério.
A dupla seguiu a rua com a intenção de encontrar um bar e depois uma estalagem, seguiram pela rua escura e chegaram até uma estrutura que tinha a placa indicativa de que ali é o bar, porém a porta de entrada está destruída e não há iluminação lá dentro:
– Acho que tiveram diversão além da conta aqui – disse o rapaz de jaqueta vermelha. – O que acha de entrarmos Fharrar?
O homem mascarado sinalizou sim com a cabeça. – Tome cuidado Humel – advertiu.
Humel sacou uma adaga de um bolso interno de sua jaqueta e entrou no estabelecimento, por ali encontrou alguns corpos de Karuins:
– A noite anterior parece ter sido boa – constou.
Fharrar entrou com passos lentos no local, as lentes dos óculos se acenderam com uma luz verde clara e pequenas letras em verde escuro surgiram nas lentes, revelando a espécie de todos os corpos ali caídos:
– Karuins… Um guerreiro de Kremat… – karuins são uma espécie híbrida de humanos com lagartos, a pele geralmente é escamosa, possuem pequenos chifres pela cabeça e garras afiadas, estes portavem rifles também.
Humel saltou para de trás do balcão e vasculhou na escuridão por alguma bebida, com sorte encontrou uma garrafa com um líquido vermelho, sorriu, a abriu e sorveu alguns goles:
– Criaturas repugnantes… – sussurrava Fharrar. – Vermes… Nojentas…
– Disse alguma coisa Fharrar? – perguntou Humel limpando os lábios.
– Não.
– Bom… Vamos achar alguma pousada, estou cansado.
O homem de preto olhou ao redor. – Por que não dormimos aqui esta noite?
– Por quê? Porque eu to com sono, cansado e querendo dormir em algo macio e confortável.
Fharrar rosnou. Olhou para o rapaz e os óculos o examinaram. – Você está com níveis alcoólicos elevados. Sua cabeça não está apta a fazer decisões.
O faqueiro bufou. – Lá vem você de novo com isso… – o homem de negro começou a sussurrar algumas palavras enquanto Humel argumentava e andava de um lado para o outro, quando o humano parou olhou para o companheiro de viajem. – Quer saber… Você tem razão – Fharrar sorriu. – Vamos dormir aqui mesmo.
Cada um encostou-se em um canto e assim passaram a noite.

No dia seguinte, Humel acordou com os raios do sol tocando seu rosto, estava confuso, não se lembra de como adormeceu, atribuiu o fato ao cansaço da noite anterior:
– Bom dia – a voz rouca de Fharrar o saldou.
– Bom dia. Por que estamos no bar ainda?
– Você ingeriu bebida alcoólica e quis dormir por aqui mesmo – explicou friamente.
O rapaz se espreguiçou e se levantou. – Bom, vamos indo.
A dupla saiu pela porta arrombada e foi seguindo até a saída da cidade. Não tiveram chance de falar com alguém, nenhuma pessoa estava na rua, fato que causou receio em Humel:
– Para onde vamos agora? – perguntou para o amigo.
O homem encapuzado tirou o braço magro e branco debaixo do manto, em seu braço grossas tatuagens de runas negras estão gravadas e em cada um dos dedos existe um anel negro. Fharrar levou o punho fechado próximo à boca e sussurrou um encanto, depois estendeu a mão para o horizonte.
Um raio roxo saiu do anel e seguiu caminho, criou uma trilha que durou por cinco segundos, porém sua energia pode ser rastreada com os óculos do mago:
– Para Pegeo.
– É uma boa caminhada… Como você está hoje?
– Bem.
O faqueiro coçou a cabeça hesitando por um momento. – Que tal chamar aqueles cavalos negros de novo?
O mago franziu o rosto branco. – Não são cavalos. São Curizos*.
– Isso, pode ser.
De mau gosto, Fharrar tirou o outro braço do manto, removeu os anéis dos mindinhos e os jogou no chão. Recitou um encanto com os braços abertos como se fosse uma musica tribalista. As tatuagens que cobrem os pulsos do mago brilharam em roxo, e os dois anéis foram engolidos no solo, quando o encanto se tornou mais audível o solo rachou e duas criaturas negras surgiram.
O corpo é muito semelhante ao de um cavalo, porém o focinho da lugar a um bico torto. No pescoço desce uma fileira de espinhos e dos olhos e das narinas parece emanar uma luz roxa. O rabo é um emaranhado de pelos escuros e os cascos são mais resistentes que aço:
– Esses mesmo! – Humel montou em um dos Curizos.

*Curizo: Montaria mágica criada a partir das sombras, poucos magos os podem invocar.

Fharrar montou no outro, as criaturas soltaram um grito estridente e seguiram o caminho orientado pelo seu criador.
Fizeram uma curva na saída da cidade e entraram na floresta de Cim, os animais são velozes e no final do dia se encontrariam já em Pegeo.

Poucos metros da entrada de Pegeo os cavalos negros pararam bruscamente, Humel quase foi arremessado par ao chão. Ambos os animais se transformaram em fumaça negra e os viajantes seguiram o caminho andando.
Continuaram a seguir o rastro de Fharrar que sumiu ao entrarem na cidade:
– O rastro sumiu. – avisou ao companheiro.
– Consegue fazer outro?
– Não ainda, o anel precisa se energizar.
Humel cruzou os braços e pensou por uns instantes, abriu um largo sorriso e estalou os dedos da mão direita:
– Vamos a um bar! Lá com certeza alguém vai ter alguma informação.
O mago rosnou em reprovação, mas Humel é tão convincente quanto uma criança quando quer.
Os dois andaram até encontrar uma taverna de chamada Ferro Flamejante. Adentraram o local e encontraram uma taverna arrumada e com alguns estragos, nada muito grave, dois rapazes trabalham para arrumá-los. Como chegaram cedo ao local, Mohause, o barma, um homem gordo e com a barba por fazer os recebeu de trás de seu balcão:
– Senhores, sinto muito, mas ainda estamos fechados.
– Não pode nos servir algo para comer e beber? – sugeriu Humel.
Fharrar, irritado com o local que se encontra principiou um encanto, o mago não suporta estabelecimento como tavernas, tem nojo de lugares assim, diz que somente vermes podres freqüentam estes lugares.
Os olhos do barman soltaram um leve brilho roxo, Humel percebeu que seu companheiro de viajem havia enfeitiçado o homem:
– Será que você não pode manerar um pouco nos encantos? Você não sabe conversar com alguém sem possuir ela?
– Ele ia nos mandar embora, e agora podemos conseguir comida e informações – os óculos do mago captaram rastros energéticos de uma raça praticamente extinta no Multiverso. Sem perder tempo cobrou o barman. – Onde está o ser Binal?! – bateu as mãos no balcão.
– Ser binal? – perguntou Humel.
– Do planeta Binário – explicou Fharrar.
– Eles não foram extintos?
O barman resmungou algo. – Ele partiu para Dipra com mais três pessoas.
– Quem eram? – questionou o mago impaciente.
– Dois Senhores de Castelo e a princesa Laryssa.
– Princesa Laryssa? – falou Humel.
– Senhores de Castelo… – sussurrou Fharrar. – Traga comida para ele – apontou para seu companheiro de viajem. O estalajadeiro entrou na cozinha.
– Acha que estão com o Globo Negro? – questionou o rapaz.
– Tenho certeza. Coma logo e vamos embora.
A dupla almoçou, Humel se serviu muito bem, mas Fharrar se restringiu a um copo de água. Ao terminarem o rapaz fez menção de pagar, mas o mago negro o impediu. Saíram do bar e no momento que o deixaram o transe hipnótico que Mohause estava foi quebrado, o estalajadeiro não se lembra de nada que aconteceu depois da chegada da infame dupla.
– Certo, vamos a cavalo de novo? – questionou.
– Curizo – o corrigiu severamente. – E não. A magia ainda está carregando.
– Ainda tenho um dinheiro… – o humano mexeu em um saco que guarda pedras preciosas. – Acho que consigo dois cavalos.
Sem se importar com a opinião do mago saiu andando na direção do centro da cidade. Fharrar o seguiu e no caminho cruzou com um homem de cabelos claros e barba rala, com braços e mãos grandes, porém um dos braços está engessado. O homem olhou para Fharrar e resmungou consigo mesmo. – Sujeito estranho… – e seguiu seu caminho para o Ferro Flamejante.

Não demorou muito e Humel conseguiu dois cavalos, não são os mais novos e nem os mais fortes, mas vão servir:
– Dois por apenas um topázio! Do tamanho de meu polegar! – comemorou por seu negócio.
Fharrar que antes estava de cara fechada exibia um leve sorriso. O mago não revela mas gosta de cavalos, diferente de pessoas ele os considera criaturas fortes e inteligentes e mesmo estes sendo mais velhos o mago os trata como verdadeiros alazões.
Cavalgaram por cerca de duas horas, os cavalos já demonstravam certo cansaço e o mago sentiu pena dos animais, olhou para Humels e recuperou seu ar arrogante para falar:
– A magia dos curizos já está pronta.
O humano deu de ombros. – Temos cavalos.
– Eles estão cansados e curizos são mais velozes.
Humel esbugalhou os olhos ao perceber. – Você está com pena deles? É isso mesmo? O cruel e arrogante Fharrar está com pena de cavalos? – debochou.
Sem admitir o mago desmontou do cavalo, o virou para Pegeo e deu um tapa na bunda do animal o fazendo disparar para a cidade de partida:
– Viu? Eles ainda agüentam correr.
– Pare de choramingar e desça do cavalo!
Humel obedeceu, porém ficou sussurrando consigo mesmo. – Pena de cavalos.
Fharrar removeu os anéis dos mindinhos e os atirou no chão novamente, repetiu o encanto e os corcéis negros brotaram do chão. A magia não estava totalmente recarregada e pronta para uso, o que custou um pouco mais de uso de sua Maru, mas ele prefere usar mais Maru do que ver cavalos velhos sofrendo para andar.
Montando no cavalo principiou a correr na frente, logo atrás Humel vinha. Enquanto passavam pelo caminho, com sua visão mais bem treinada que de muitas pessoas, pois foi treinado para se tornar um pistoleiro já que vem de Newho, o rapaz viu uma embarcação atracada na margem do rio Geora. Freou seu curizo brutamente, tanto que quase foi lançado para o chão. Virou o animal e foi galopando até o barco:
– Boa tarde – cumprimentou.
– Boa tarde – respondeu o barqueiro educadamente.
– O senhor pode levar eu e um amigo até Dipra? Sei que de barco é mais rápido – o barqueiro olhou para os lados de forma pensativa. – Posso pagar – Humel tirou uma opala brilhante e uma ametista roxa de seu saco de couro. Os olhos do barqueiro brilharam.
– Seu amigo é este… Animal?
– Não – riu o rapaz. – Ele já vem.

Não demorou muito para Fharrar perceber que Humel não estava mais o seguindo, freou o curizo e o virou para trás, deu um tapa no lombo do animal e voltou a correr, logo encontrou seu companheiro sentado em cima do outro curizo de braços cruzados:
– Ali está ele! – acenou Humel com alegria.
– Por que parou? – questionou com a voz rouca.
– De barco é mais rápido. E assim não judiamos dos curizos – sorriu debochadamente. A brincadeira fez o mago se torcer de raiva por dentro. – Os desfaça e vamos embarcar.
O mago só não atacou Humel pois sabe que o humano ainda pode lhe ser útil no final da jornada. Rapidamente os curizos começaram a evaporar e sumiram como fumaça negra. Fharrar pegou os anéis do chão e subiu a bordo do barco junto do companheiro.

A viagem não foi muito longa, ao cair da noite chegaram a Dipra, Humel dormiu a noite toda e quando acordou estava ansioso, finalmente teria notícias do Globo Negrol. Fharrar não dormira, ficara de olho no barqueiro a viagem toda:
– Muito obrigado pela carona – agradeceu o homem de Newho sorrindo.
– O prazer foi meu! – respondeu o barqueiro.
A dupla deixou o veículo e seguiram viagem até o templo de Dipra. Querem falar com Yaa, a Mãe de Todas as Fadas.
A passagem da dupla se dependesse só de Humel seria praticamente despercebida, mas o fato de Fharrar ser uma figura tão peculiar muitas pessoas pararam nas ruas para o ver:
– Qual o problema deles? – resmungou o mago.
– Só acho que você poderia se vestir de maneira mais discreta.
Continuaram seguindo, o faqueiro pediu algumas informações, a estrada os levou para uma floresta, e após um pouco de caminhada chegaram até uma ponte velha. Fharrar estacou na frente da construção:
– O que houve? – perguntou Humel.
– Esta ponte… É estranha… – ativou seus óculos e começou a fazer leituras. – O binaliano passou por aqui!
O mago se adiantou e quando tocou a ponte com o pé direito a madeira rangeu e estalou:
– Calma! Calma! – Humel o puxou para trás. – A estrutura é velha, vamos devagar.
Lado a lado os dois caminharam, a ponte rangeu algumas vezes, mas nada fora do normal. Ao atravessarem a estrutura seguiram por uma estrada, passaram por um velho carvalho e chegaram há uma escadaria, Humel se fascinou com a beleza no cenário, mas Fharrar fez uma careta como se aquilo o causasse repulsa.
O templo é magnífico, construído em forma de pirâmide e se estendia acima da copa das arvores. A escadaria de pedra polida é vigiada por dois grandes leões feitos do mesmo material, sentados em belíssimos pedestais em forma espiral e o caminho leva a uma enorme porta de entrada. Atrás dos felinos, havia duas grandes piras acesas em forma de mão, o fogo brotava da palma das mãos rochosas e refletia um brilho alaranjado nas costas dos leões. A porta estava aberta e logo a dupla adentrou o templo.
Havia algumas pessoas ajoelhadas rezando, seguiram em silêncio, algumas das poucas pessoas se retiraram ou viraram a cara ao ver a figura de Fharrar. Seguiram o caminho e desceram três degraus para dentro de um semicírculo, no meio dele há um pedestal com a estátua de uma mulher flácida:
– Yaa… – sussurrou Humel.
– O que desejam cavalheiros? – uma voz feminina e sensual os abordou.
Ao se virarem viram uma bela mulher de cabelos negros como a noite, com olhos azuis que transbordam malícia. Usa um vestido vermelho com decote, destacando os belos seios. A mulher está sorrindo.
Rapidamente os óculos de Fharrar que ainda estão ativados começaram a examinar a mulher, mas por algum motivo nenhuma leitura e nenhuma informação sobre ela apareceu, apenas seu nome “Estranho…” pensou o mago:
– O que desejam cavalheiros? – repetiu a pergunta com os belos olhos azuis fixos em Humel.
O rapaz ficou extasiado com a beleza da mulher, tanto que sua boca permaneceu aberta e os olhos percorreram todo seu corpo:
– Margaly? – foi Fharrar quem deu continuidade a conversa.
– Sim?
– O garoto… – se corrigiu. – Nós queremos falar com a Mãe de Todas as Fadas.
Margaly olhou para o mago, voltou o olhar para Humel que ainda está de boca aberta:
– Cuidado pra não babar – o rapaz fechou a boca. – Sugiro que olhem para a estátua e rezem se querem falar com ela.
– Senhora… Moça… – o faqueiro se atrapalhou.
– Margaly, querido – falou devagar a mulher.
– Margaly – ele repetiu saboreando o nome. – Precisamos falar com Yaa pessoalmente. Sei que tem uma maneira de fazer isto.
Fharrar está com a testa franzida:
– Realmente cavalheiro, existe uma maneira – passou em meio aos dois espalhando seu doce perfume entre eles. – Mas não é um caminho fácil. Se é o que desejam, me acompanhem – seguiu seu caminho caminhando sensualmente.
Humel a seguiu como um cachorrinho adestrado. Fharrar olhou para a estátua de Yaa no salão, resmungou algo e seguiu a mulher de vermelho.
Quando chegaram na parte de trás do templo, Margaly pediu licença e para os dois a esperarem ao lado de fora, então voltou para dentro do templo:
– Não gosto dela – comentou Fharrar.
Humel soltou um suspiro. – Você não gosta de ninguém Fharrar.
Uma leve risada escapou do mago junto de um meio sorriso:
– Por aqui queridos! – a voz de Margaly chamou atrás deles.
– Como? – pensou Humel. – Esquece…
O trio seguiu pela estrada a céu aberto, Margaly está usando uma calça de cor bordô, um colete de couro da mesma cor, favorecendo suas curvas sensuais. Humel se perdeu de seus pensamentos admirando a bela mulher a sua frente. Só voltou a si quando Fharrar o cutucou. Ao chegarem próximos de uma arco de pedra talhado na base de uma montanha, Margaly olhou para a dupla:
– Quero que saibam que a partir de que entrarem ali seus poderes não surtirão mais efeito – Fharrar soltou um riso tímido de deboche. – Se morrerem ali dentro, seus poderes passam para mim.
– Não vamos morrer – sorriu Humel.
– Espero que não mesmo – Margaly fitou maliciosamente o corpo do rapaz. – E eu, serei apenas a guia de vocês – a mulher se virou para o arco lentamente deixando uma das mãos apoiada na cintura fina. – Antes de irmos, quais são seus nomes queridos?
– Humel. Sou de Newho.
– Onde está sua pistola? – perguntou maliciosamente.
– Não gosto de armas de fogo – respondeu sem entender a indireta, quebrando as expectativas da mulher. – Gosto de armas brancas, sou um faqueiro – Humel puxou um dos lados da jaqueta, revelando a parte interna e várias facas de arremesso presas.
– Humm… E você querido? – olhou para Fharrar.
– Meu nome é Fharrar.
– E veio de onde?
– Pode tentar – respondeu Humel. – Ele nunca vai dizer.
Margaly torceu o nariz e cruzou o arco. – Entrem por vontade própria.
Humel entrou, não sentiu quase nenhuma diferença, apenas sentiu um leve bloqueio, como se sua Maru estivesse bloqueada.
Fharrar sentiu todo o peso do local, entrou logo atrás do faqueiro e se sentiu deslocado de seu mundo. Ele é um mago e sem poder usar magia se sente indefeso, porém não admitiu nada disso.
– Venham comigo meus amores.
A mulher foi à frente, Humel atrás e Fharrar os seguindo tentando se esconder nas sombras. Na caverna existem tochas que a iluminam, as paredes são rugosas e cobertas de musgo. Alguns cadáveres estão caídos no chão, fedendo e sendo devorados por vermes e ratos. Humel tampou o nariz, mas Fharrar pareceu gostar do cenário:
– Ah sim… – Margaly parou. – Esqueci de dizer que preciso do pagamento para conduzi-los pelo caminho.
O mago negro franziu a testa e tomou a frente. – Como assim pagamento? Agora vai nos levar de graça!
– Quem você pensa que é para falar assim comigo?
O mago ergueu uma das mãos para lançar um feitiço, mas se lembrou que está sem poderes, a mulher de vermelho riu e antes que Fharrar avançasse contra ela Humel se interpôs entre eles:
– Tudo bem! Eu pago! – o humano tirou duas opalas de achatadas do tamanho de um palmo de seu saco de couro. – É tudo que tenho, estava guardando exatamente para isso.
Margaly sorriu. – Gosto de você – e mandou um beijo para o rapaz.
– Se acalme Fharrar. Ela vai nos ajudar.
O mago grunhiu.
Seguiram o caminho e se depararam com um paredão:
– Para continuarmos, teremos que escalar – a mulher correu e saltou para a parede com uma agilidade absurda e escalou até o topo em questão de segundos. – Vez de vocês queridos! – gritou para a dupla.
– Essa mulher é muito estranha… – comentou Humel.
– E péssima guia – Humel riu do comentário.
– Bom, vamos lá!
Tomando a iniciativa, o homem de Newho se aproximou e iniciou a escala, Fharrar esticou o corpo e usou as palavras de um encanto de levitação, se lembrou que está sem poderes e praguejou o lugar, a mulher, o companheiro de viagem e a parede a sua frente. Aproximou-se da parede e começou a subir logo atrás de Humel.
Tendo mais aptidão física, o faqueiro chegou primeiro ao topo, estava arfando de cansaço, mas olhou para trás para incentivar o amigo. Foi quando a caverna tremeu e pedras começaram a cair:
– Cuidado Fharrar! – alertou.
O mago praguejou, conseguiu esquivar da primeira pedra, da segunda e da terceira. Quando retomou a escalada uma quarta pedra caiu e o atingiu no ombro esquerdo:
– Fharrar! – gritou Humel, fez menção de descer, mas Fharrar o reprimiu.
– Se você descer vai me atrapalhar!
Com muito esforço Fharrar conseguiu escalar e se juntar a Humel e Margaly.
A mulher de vermelho bateu três palmas lerdas. – Parabéns. Agora vamos.
O mago negro xingou a mulher, vamos as seguiu junto do companheiro.
Continuaram a caminhada, subindo a trilha cada vez mais, até chegarem a um salão repleto de jóias brilhantes. Margaly pegou as opalas que guardou em um saco de couro e as jogou no salão:
– Aqui fica o pagamento – sorriu para os dois.
Pouco mais a frente havia um abismo, após ele havia uma porta trancada, e do lado esquerdo havia um painel com seis buracos com quatro gemas, apenas dois buracos não estavam preenchidos:
– Qual a pegadinha agora? – perguntou Humel.
– Se quiserem passar, vão ter que ser espertinhos – sorriu para Humel. – Ativar o dispositivo – apontou para o painel. – Para abrir a porta.
– Como vamos fazer isso? – questionou Humel de braço abertos sem entender a lógica.
– Usem sua imaginação – respondeu Margaly provocando.
A primeira idéia que Fharrar teve foi a de arrancar os olhos de Margaly e os atirar no painel, isso o arrancou uma leve risada:
– Alguma idéia?
– Nenhuma – respondeu o mago voltando a ficar sério.
– Que tal jogarmos pedras lá? Tem gemas presas nos buracos.
– Divirta-se caçando pedrinhas – resmungou. – Eu vou pensar – se abaixou em cócoras olhando para o cenário.
O rapaz olhou para Margaly. – Posso pegar algumas gemas lá dentro?
A mulher sorriu e apontou para a porta liberando a passagem. O rapaz entrou no salão.

– Margaly – chamou Fharrar com sua voz rouca.
A sacerdotisa virou os olhos. – Diga.
– Quem é você?
A mulher não entendeu a pergunta. – Sou a anciã do templo? – respondeu com ar de deboche.
– Não. Quem você é realmente? Meus óculos não acham nenhuma informação sobre você – constou.
– Magia não funciona aqui, querido.
– Eu a examinei antes de entrarmos aqui – o mago se levantou. – Quem é você?
Margaly o encarou como alguém que observa uma cena engraçada. – Não é o momento de eu revelar. Você como um mago deveria saber que tudo tem sua hora – criticou.
Fharrar bufou e voltou a olhar o abismo.

– Fharrar! Achei algo que pode ajudar! – Humel voltou com um punhado de gemas.
– Você pretende fazer o que com isso? Atirar uma a uma?
– Sim – o mago abriu a boca sem acreditar na idéia. – Tem alguma idéia melhor, espertão?
Margaly apenas observou e soltou uma leve risada.
O faqueiro tomou posição, atirou uma gema porém a pedra caiu no abismo. Atirou a segunda e acertou a lateral do painel:
– Você veio de Newho mesmo? – Margaly. – Conheci um pistoleiro de lá que acertou o painel sem muitas dificuldades…
O faqueiro bufou irritado com a provocação. Pegou outra gema, e se concentrou, fechou os olhos e aguardou. Quando sentiu que estava pronto arremessou a gema, a pedra voou por cima do abismo, fez uma tabela com a parede acima do painel e caiu exatamente em um dos buracos, o preenchendo:
– Isso! – pulou de alegria com o braço esticado. – E você achou que era má idéia – falou para o amigo com as mãos na cintura.
Quando Humel se aprontou para atirar outra gema algo aconteceu, um vendaval forte começou e com ele poeira subiu, nublando sua visão:
– Ah… Droga.
– Boa sorte.
– Vou precisar de mais gemas… – e voltou para dentro da caverna.

Após quinze minutos cronometrados na cabeça do mago negro, Margaly bocejava encostada na entrada do local. Humel continuava tentando acertar a gema, mas não obteve nenhum sucesso:
– Ah! – gritou frustrado. – Que droga! Não consigo!
– Acho que pistoleiros são melhores que “faqueiros” em Newho – o comentário irritou o rapaz mais ainda. – Porque não volta?
– Não sei se a senhora sabe, mas não tem como voltar! – exaltou-se.
– Tem sim. Abandone seu amigo e pode voltar comigo – o faqueiro olhou para a mulher perplexo. – Que? Você mesmo disse que ele não gosta de ninguém – deu de ombros.
– Eu não vou abandoná-lo, ele pode ser chato, mas está me ajudando!
– Ajudando em que? Ele não se mexeu até agora! – o diálogo começou a irritar Fharrar que já estava impaciente.
– Ele está me ajudando a achar o Globo Negro!
– E pra que um pirralho de Newho iria querer o Globo Negro?
– Pra encontrar meu pai – a informação chocou Margaly por dentro, porém ela não demonstrou. – Dizem que o Globo Negro mostra tudo e todos, que pode me mostrar quem eu quiser. Meu pai sumiu nos mares boreais e eu sei que ele está vivo – o guerreiro conteve as lágrimas que marejaram seus olhos. – Por isso eu quero a porcaria do Globo.
Desviando do assunto sentimental. – E ele? O que quer? – apontou para Fharrar.
– Eu não sei. Acho que quer o Globo também. Ou ele gostou de mim e está me ajudando.
No íntimo do mago ele desejou que fosse isso, porém a verdade era obscura. Fharrar é tem outros propósitos para com o Globo. Quer seu poder para se tornar mais forte e de uma forma doentia restaurar a ordem de seu planeta. Lá, um tirano tomou o poder, e ele fugiu prometendo que voltaria como libertador. Mas sua busca já dura muito tempo e seus reais motivos estão deturpados:
– Quer saber, me da essa porcaria de gema – o mago pegou a penúltima gema do chão e ficou de de frente ao abismo.
– O vento não parou, é inútil tentar Fharrar.
– Cala a boca – falou rispidamente e Humel obedeceu.
O mago negro começou a se concentrar. Margaly se pôs a observar sem muito interesse, porém, notou uma perturbação vinda do mago. Sua roupa estava sendo agitada pelo vendo empoeirado do abismo e seus braços estão expostos. Duas tatuagens em cada braço exibem um leve brilho roxo:
– O que está fazendo? – perguntou à anciã.
Fharrar não respondeu.
– O que vai fazer? – perguntou seu companheiro de viagem.
– Abrir a porta.
As tatuagens tiveram o brilho intensificado, o suor começou a escorrer pelo rosto branco do mago, revelando que o esforço que faz é imenso:
– Você não pode usar sua Maru aqui! – exclamou Margaly.
– Caso… Você não… Saiba… – falou cortadamente devido ao esforço. – Nem todos os meus truques dependem de magia, sou um tecnomago.
Pequenos pontos roxos brilhantes contornaram os anéis dos indicadores, Fharrar gritou, se impulsionou e saltou para o vendaval:
– Maru não pode ser usada aqui? Tem certeza?! – o mago negro levantou voo e se jogou no vendaval.
Humel não acredita no que vê. Até mesmo Margaly se espantou! Como alguém consegue usar a Maru naquele local? Nunca alguém havia conseguido aquilo. Ela concluiu que o mago era muito poderoso, porém o susto passou, pois um grito veio do meio do turbilhão de vento:
– Fharrar? – chamou seu amigo. – Fharrar?!
O mago gritou, o grito começou a se tornar cada vez mais distante até um leve baque ter sido ouvido:
– FHARRAR?! – gritou desesperado Humel.
Um brilho vermelho contornou a mão direita de Margaly, uma corda com dez anéis negros surgiu do brilho:
– Sinto muito querido, mas seu amigo morreu.
– O QUE?!
– Quando um de vocês morre aqui dentro, seu poder passa para mim – sorriu sinicamente.
– Porque não avisou isso na entrada?! – gritou exaltado.
– Não avisei? – a mulher levou a mão esquerda até sua boca. – Opa… Acho que esqueci.
O faqueiro chorou, apesar de Fharrar não ser a melhor companhia do Multiverso, o rapaz soube valorizar o amigo e sentiu sua morte com muito pesar. Com raiva apanhou a última gema que recolhera, fechou os olhos e cortou as lágrimas que caírem por seu rosto. Respirou fundo e gritou o nome do falecido companheiro jogando a pedra. O som do baque de pedra atingindo a rocha do outro lado do abismo ecoou pelo vendaval. De repente o vento cessou e uma ponte se formou, a porta se abriu e as seis gemas brilharam no painel:
– Eu… Eu consegui… – sussurrou para si mesmo.
– Parabéns, “faqueiro” – falou Margaly.
Humel andou até a ponte com cautela e olhou para baixo, lá no fundo pode ver a careca branca do amigo falecido brilhando “Eu nunca vou te esquecer amigo…” lamentou-se:
– Vamos Margaly, tenho que terminar o caminho.

Os dois chegaram em outra sala, a porta se fechou logo atrás deles:
– É melhor correr – dizendo isso a mulher partiu em corrida.
Sem perder tempo e usando a dor que sentia como impulso foi correndo atrás da mulher. Passaram por um corredor onde cobras brancas começaram a surgir e a persegui-los, porém Humel não se importou com elas, mantêm seus olhos colados na anciã que parece querer despistá-lo.
Margaly começou a subir uma torre em espiral e o faqueiro a seguiu agilmente. Os dois subiram um bocado sempre correndo, foi então que a mulher pareceu se jogar bruscamente para o lado. Ignorando a razão Humel se jogou logo atrás e caiu em uma plataforma de pedra, se deparando com as pernas da anciã, pois caiu deitado:
– Só falta mais um desafio – avisou Margaly. Virou-se e seguiu por uma porta de pedra.
O rapaz se levantou e foi logo atrás. Adentraram um salão grande, muitos corpos estão caídos ali, mutilados e fatiados e graças a isso o cheiro da sala não é nada bom. Andaram mais alguns metros e encontraram um altar, logo a frente o corpo de uma criatura grande estava caído no chão. O salão é bem iluminado por candelabros no teto e as espadas dos mortos refletem a luz.
Humel seguiu adiante, se aproximando da criatura no chão, vários cortes estão espalhados no corpo dela. O animal tinha cerca de três metros, a cabeça é composta por pelos negros, com tufos azuis contornando as orelhas e a nuca. O rosto era redondo, e o nariz achatado separava os dois grandes olhos. Os dentes eram afiados, assim como as enormes garras negras. Do pescoço para baixo, os pelos eram escuros e cobriam todo o corpo. No couro seco da barriga e do antebraço, vários cortes deixavam claro que o animal enfrentara uma violenta batalha.
Humel observou muito bem a criatura, deu um destaque principal a presa da fera e pensou que poderia fazer belas facas. De sua jaqueta puxou uma pequena faca de arremesso, porém extremamente afiada, antes de começar a cortar os dentes fora parou. Por algum motivo não conseguiu dar continuidade ao plano. Guardou a lâmina e fez um carinho na orelha direita do animal:
– O que está fazendo? – perguntou Margaly. – É só uma carcaça.
– Ele morreu lutando – seu lado de guerreiro falou alto. – Morreu como um verdadeiro guerreiro – compaixão e pena invadiram seu peito.
– E as vidas que ele tirou? Olhe ao redor, veja quantos homens e mulheres ele matou!
– Eles invadiram seu território… Ele só estava se defendendo – o rapaz sorriu. – Mas fico grato por eles terem derrotado esse bicho, assim eu não preciso lutar.
O faqueiro se levantou e andou adiante, começou a apalpar a grande porta de pedra procurando algum jeito de abri-la.
“Pobre garoto… Chegou tão perto…” pensou Margaly com pesar. Não havia gostado de Fharrar, mas o garoto era bom, apenas estava com a companhia errada. Humel começou a falar com Margaly, porém a mulher já havia sumido, o rapaz olhou para trás em busca da mulher, mas só viu o corpo do animal:
– Margaly? – a chamou. – Margaly? – andou até o outro lado da sala. – Margaly? – um baque seco ecoou do salão. – Margaly? – chamou novamente, porém com um pouco de medo na voz. Com cautela sacou sua espada e a empunhou com as duas mãos. Um rosnado soou do salão da porta. – Tá se brincadeira?
A criatura antes morta se ergueu, não havia mais nenhuma marca de corte em seu corpo. O animal rosna e estala as garras negras. Humel apertou o botão da empunhadura de sua espada, o barulho de um pequeno motor sendo ativado começou a lutar contra o rosnado da fera. A empunhadura da arma começou a soltar fumaça e a lâmina da arma começou a ficar vermelha como metal aquecido. Se Humel tivesse acesso a sua Maru a lâmina seria envolta por chamas, mas como não consegue acessá-la a lâmina apenas esquentou.
A criatura saltou para o bote, agilmente o faqueiro desviou e passou a lâmina na lateral do animal, o corte se cauterizou instantaneamente, o animal urrou de dor e caiu deitado. O espadachim pensou ter vencido, porém o animal se levantou e saltou para outro bote. A lâmina quente dançou de novo e cortou o predador habilmente, porém ele nem pareceu sentir o golpe. O próximo bote veio muito mais rápido que os outros e as garras rasparam no braço de Humel, abrindo um corte grande, inutilizando seu braço esquerdo:
– Porcaria… Devia ter cravado a espada em sua cabeça.
A luta continuou por alguns minutos, Humel é um habilidoso guerreiro e custou a perecer, porém um ataque do animal foi dirigido para sua espada e a lâmina se partiu, sem dar tempo do rapaz reagir o predador o atacou, um corte profundo foi aberto no peito de Humel e logo o animal mordeu seu corpo o fazendo gritar de dor assim que seu cérebro entendeu que o corpo foi atingido.
A criatura chacoalhou a cabeça, levanto o faqueiro de um lado para o outro e então o arremessou contra a parede. Humel caiu sentado, encostado na parede e com quatro costelas quebradas. Com lágrimas nos olhos e com uma dor aguda percorrendo o corpo ele viu o animal se direcionar a ele e iniciar um arranque frenético:
– Me desculpe… Pai…

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