Fã-Conto – O dia em que o Multiverso não acordou (por Derek Muggiati)
Era noite mas no céu não se viam estrelas. Não se ouvia grilos ou qualquer outro animal noturno e o silêncio era quase ensurdecedor, quase como se fosse sugado pela escuridão celeste.
Tentando esquecer toda a pressão que estavam sofrendo em meio a uma guerra que não pediram os guerrins brincam sentados em roda em meio a uma fogueira crepitante feita desajeitadamente em cima da grama azulada no chão.
– Droga… Perdi… – Diz um dos jovens guerreiros de rosto arredondado que narrava o jogo enquanto seus colegas riam de maneira infantil e inocente.
Ao fundo, Kullat anda solitário acompanhando o muro repleto de nomes apagados. Todos estavam de casacos leves e capas por conta do frio noturno que se fazia no momento, enquanto o Castelar havia transformado sua capa em um tecido felpudo e branco lembrando muito a pele de algum animal. Sua respiração longa formava nuvens brancas discretas que saiam de sua boca e nariz.
Enquanto passava os olhos por cima dos nomes conhecido, recitava o nome de cada um em sua mente, lembrando dos momentos daqueles que lhe eram mais próximos. Castelares jovens e velhos que nos últimos meses foram dizimados de maneira cruel.
Com os olhos marejados e o coração apertado, ele aproveita o pequeno armistício para homenagear as centenas de heróis que deram suas vidas para defender aquilo em que acreditavam e todo o Multiverso. Mesmo assim ele sabe que a paz durará pouco, sabe que o Multiverso está desmoronando de uma maneira que nunca imaginou e dependerá dele o futuro de todos.
Enquanto o peso de toda sua existência cai sobre seus ombros, seus punhos se fecham e as faixas em suas mãos acendem discretamente transformando-se em chamas brancas. Na roda de guerrins o Multiverso dorme e as Sombras fazem mais uma vítima. A brincadeira juvenil refletindo a dura realidade mais uma vez, enquanto outro nome se apaga do muro. Poucos restam agora. O Multiverso Dorme seu sono mais pesado.
Uma explosão ao longe levanta os guerrins assustados e perdidos buscando Kullat em seu campo de visão enquanto o Castelar fecha os punhos em chamas peroladas-alaranjadas. Eles sabem que não há esperança, que aquela é a ultima brincadeira de seu futuro curto e sem expectativas, porém Kullat não olha para eles, ele não consegue, não mais. Outra explosão, desta vez mais perto. Alguns jovens procuram os braços de outros em busca de conforto em um abraço silencioso e de despedida. Os mais velhos levantam e assumem postura de defesa, lembrando dos últimos ensinamentos de batalha, que de nada ajudariam no que está por vir.
A última explosão repentina estilhaça o muro de nomes, e a história milenar dos Castelares estava destruída por completo. O Multiverso não acorda mais e a maior e mais terrível guerra finalmente chega ao fim.
Os guerrins agora assustados comentam uns com os outros:
– Somos os últimos? Será que vai acabar assim?
– Isso é injusto, por que nós? Por que agora? – Diz uma guerrin mais jovem desesperada em meio as lágrimas discretas.
– Porque nós somos o que restou da justiça – Responde Kullat levantando o capuz de seu rosto para encarar de frente seus inimigos.
Uma nova explosão a poucos passos de Kullat o joga para longe. Os guerrins que ali estavam foram desintegrados pelo poder da magia devastadora que os atacou e viraram pó instantaneamente. Se ainda houvesse algum muro mais nomes estariam se apagando agora.
Os ouvidos de Kullat zunem e sua visão, turva e embaçada não consegue distinguir nada entre a poeira e os destroços que ainda caem ao chão. Suas vestes antes alvas, agora estão sujas de terra e fuligem. Com dificuldade ele retoma o foco, e escuta com ainda com dificuldade os gritos guturais em vários idiomas. Lentamente sua visão retoma o foco enquanto ele contempla o céu, agora tomado pelo vermelho das chamas que anunciam o final da guerra. Enfim a justiça caiu e nada mais pode ser feito para mudar o que aconteceu.
Através da poeira que ainda está se assentando, Kullat percebe uma figura enorme e dourada se aproximando. É possível sentir cada passo do gigante se aproximando, fazendo tremer as ruinas do muro e das construções próximas.
– Por Krhomer! Gostaria de tê-lo aqui nesse momento meu amigo – Sussurra Kullat enquanto segura uma gema luminosa em seu pescoço.
Colocando-se em pé, é possível ver seu capuz rasgado e sem o brilho característico. As faixas em suas mãos estão escuras e surradas, avermelhadas pelo sangue de um ferimento causado em um dos seus braços pelos estilhaços. O Sentimento de incapacidade era enorme e suas pernas perderam a força mais uma vez quase o colocando de joelhos, mas ele não sabia se era pelo luto dos jovens a pouco perdidos ou pelos passos agora mais pertos do gigante dourado.
– Por que? – Pergunta Kullat olhando para cima e encarando a face da criatura a sua frente, como uma criança olhando para um adulto.
– ERA O QUE LARISSA IRIA QUERER – Responde a criatura com a voz metálica e rouca quase sem sentimento.
Um tiro a queima roupa explode no peito de Kullat jogando-o para traz com tamanha violência que o impacto de seu corpo contra alguns escombros termina de derrubar as poucas partes das construções que ainda estão de pé.
Mais passos são ouvidos, dessa vez cadenciados pela marcha militar da tropa que se aproxima. Kullat já levou tantos golpes em sua vida, mas nenhum foi tão forte quanto o de hoje, ao ponto de ferir sua alma.
Enquanto faz um esforço terrível para puxar o ar para seus pulmões em chamas, ele lembra da terrível escolha que fez ao utilizar as próprias mãos para enterrar no peito de Larissa a lâmina etérea que tiraria a vida da princesa. O remorso fazia parte dos sentimentos que experimentava agora, talvez por ser ele o responsável por selar o destino da ordem, talvez por ter sido o instrumento que levou a morte para sua própria amiga, talvez por saber que por culpa dele o Multiverso será destruído.
Mesmo com tantos sentimentos pesados, ele tenta se apegar ao fato de que era necessário, e a própria princesa iria querer este destino. Ela não poderia viver daquela forma, não poderia viver com o que fez e ele sabia que havia selado o destino de tudo que estava acontecendo até o momento.
Mais uma vez os passos do gigante são sentidos no chão, e Azio segue em frente escoltado por soldados de todas as raças e tamanho enquanto Kullat é deixado para traz agonizando e sem esperanças. Um exército heterogêneo multicolorido formado por integrantes de todo o Multiverso.
Azio sabe que ele precisa achar e este é o último lugar em que pode encontrar. Sua busca chegou ao fim, e se ele estiver encanado de nada valerá todo o esforço que fez até hoje. De nada valerá os mundos que conquistou e as vidas que tirou.
– Mestre do Orbe, Mestre, encontramos… Eu encontrei para o senhor, eu encontrei e ela está aqui!!!
Azio segue seus asseclas em meio aos destroços fruto dos seus últimos ataques. Ele é direcionado para uma pequena área sem o gramado azul característico da região com vários monólitos florescentes.
– Aqui está senhor, Senhor, Aqui está!!!! Eu achei ela para o Senhor, Sim eu achei ela para o senhor! – Diz o soldado apontando para uma pequena lápide ao seu lado com um semblante de satisfação.
Azio levanta seu braço transformado em um canhão de plasma e atira em direção ao túmulo, abrindo uma enorme cratera e desintegrando o soldado que ali estava. No Buraco que se formou estava uma caixa metálica e prateada, com inúmeros símbolos reluzentes e azuis, guardando um precioso tesouro.
Protegida por uma magia antiga, Azio sabe que não pode abrir a esquife apenas com as mãos, porém ele já havia resolvido essa questão quando destruiu o refúgio draconiano de um planeta perdido longe de onde estavam.
Seu peito começa a emitir um ruído eletrônico, algumas placas antes invisíveis começam a deslizar e se intercalarem umas sobre as outras formando um compartimento que alojava um grande orbe negro e polido.
Ao aproximar o orbe do caixão, a espera voa de sua mão quase como se possuísse vida própria absorvendo todos os símbolos da caixa, um a um sendo apagados. Enquanto os símbolos são devorados, Azio se lembra de sua promessa e de tudo que passou para chegar até este momento. Não foi uma tarefa fácil mas a primeira coisa que lhe deu prazer na vida foi ter destruído completamente a Ordem dos Senhores de Castelo.
Quando o último símbolo é apagado, a face da esquife se esfarela e sobe no ar, se desintegrando aos poucos até revelar seu precioso conteúdo. Como era possível que seu corpo ainda estivesse tão conservado? Praticamente era possível ouvir sua respiração.
Enquanto os pequenos olhos vermelhos de Azio piscam de uma maneira característica que a anos não fazia, os olhos dela se abrem e o exilio do mundo dos vivos enfim chegou ao fim.
Laryssa levanta da esquife enquanto toca seu peito lembrando do golpe que a adormecera. A lâmina não estava mais lá, a muito consumida pela magia que habitava seu corpo, mas a marca deixada por ela ficaria eternamente gravada em seu corpo e seu espirito.
Com um turbilhão de Ideias, as memórias foram surgindo de maneira desconexa enquanto imagens horríveis surgem em seu pensamento.
– EU CONSEGUI MEU AMOR – A voz metálica de Azio soa com uma ternura jamais percebida.
A voz dele lhe trazia conforto e mesmo sem olhar pra traz ela sabia que seu cavaleiro dourado estava novamente a lhe salvar. Ao virar-se ela percebe que seu cavalheiro não era mais o mesmo. Seu tamanho era enorme, seu corpo ganhou traços humanoides, era quase como se o corpo dele fosse totalmente coberto por uma armadura fina que delineava músculos e curvas, mesmo assim ela sabia que era ele, seu Azio.
Mais uma vez as imagens surgem em flash em sua mente, e ela revive um dos últimos momentos antes de sua jornada ao mundo dos mortos. Em suas mão está Thagir desfalecido enquanto sua família está no chão morta. Ela olha para as mãos e percebe que ela fez isso. E em seguida sente novamente suas mãos esmigalhando o pescoço do guerreiro castelar.
Mesmo sabendo não poderia fazer nada, que não controlava suas ações, ela acompanhara tudo presa dentro de si mesma, trancada por traz de seus próprios olhos experimentando o horror das ações que suas mãos praticavam, sem poder parar, apenas sentindo o desespero de suas vítimas.
Então a VOZ, a muitos anos adormecida acorda em sua mente e as últimas palavras ainda sua surgem roucas em sua boca:
– Você não deveria ter me trazido de volta Azio, não podia liberta-lo, não depois de tudo que nós fizemos.
E então ela é novamente dominada por ele. Seu corpo estremece, seu olhar e sua feição mudam e agora a VOZ, antes apenas em sua mente, soa por seus lábios. Novamente ela é feita prisioneira dentro do seu próprio corpo.
– Meu caro guerreiro, você se manteve fiel ao seu juramento, como posso recompensá-lo? – Soa A VOZ em um timbre assustador.
– APENAS A MANTENHA VIVA MESTRE VOLGO – Responde Azio ajoelhando-se aos pés da princesa.
– Finalmente estou livre depois de tantos anos – Suspira Volgo contemplando a beleza da destruição ao seu redor.
Uma figura já debilitada, com os olhos fundos e o rosto marcado de pouco cabelo se aproxima da princesa.
– Ainda está preso no corpo da princesa meu Mestre – Diz Willroch com muita dificuldade em meio a tosses e uma respiração ofegante e falha.
– Isso não será problema, não mais quando temos ele ao nosso lado – Diz Volgo apontando o braço da princesa para Azio. – Estaria pronto para mais um sacrifício por amor, meu novo amigo dourado?
– POR ELA… SEMPRE SENHOR.