Conto 06 – Enfim, Liberdade (Camila Araújo Moura)

Damla nasceu no planeta de Adrilin sob o infortúnio do filho único. Seus pais, com receio de perder a convivência com a filha, esconderam o fato do nascimento da menina por uma década.
Mas a curiosidade infantil foi mais forte que a extrema proteção do casal e, em um dia de grande movimentação na cidade, atraída pelo burburinho que ouvia pela janela, a mirrada menina passou por trás de
sua mãe – que preparava a mesa para a refeição do meio-dia – e abriu a porta que dava para a rua, deixada aberta pelo pai em um lapso de atenção.
Damla ficou encantada com as cores das roupas das pessoas, se espantou com a quantidade de passantes – nem em seus sonhos mais fantasiosos ela imaginara que existisse tanta gente como estava vendo. Então ela
percebeu que muitas daquelas pessoas tinham rostos iguais ou muito parecidos; primeiramente pensou que estava vendo a mesma pessoa passar, mas observou que as roupas eram diferentes e sabia que ninguém era capaz de trocar as vestes em segundos.
A garota se perguntou por que aquelas pessoas pareciam tanto umas com as outras e ela não conhecia ninguém que parecesse com ela. Sabia que tinha os olhos do pai e o nariz e a boca da mãe, pois prestava bastante atenção neles, já que eram os únicos seres com quem convivia.
Nesse momento, seu pai voltou do mercado e, vendo a filha a um passo de sair de casa, correu, arrebatou a menina e bateu a porta com força:
– O que você estava fazendo lá fora, criança? Eu e sua mãe já lhe dissemos tantas vezes que é extremamente perigoso que os outros vejam você! Damla, por que você saiu?
– Me desculpe, Papai. – disse a pequena, chorosa. – Ouvi tantas conversas e fiquei curiosa. Não entendo o perigo. As pessoas que vi pareciam tão felizes na rua… Por que não posso passear como elas? Por que vi dois de cada uma das pessoas lá fora e não tenho ninguém igual a mim?
A mãe, que tinha se assustado quando o marido irrompeu em casa, olhava desconcertada para ele. Sem saber como responder apenas balançava a cabeça. Então o homem olhou para a filha, sua garotinha inteligente, que devorava todos os livros que ele trazia para casa, e respondeu:
– Você não tem um gêmeo, princesinha.
– O que é um gêmeo, Papai?
– Um gêmeo é alguém que é gerado com você, nasce e cresce com você. É um irmão ou irmã muito parecido ou até igual a você.
– E por que eu não tenho um gêmeo, Papai?
– Isso eu não sei lhe explicar, querida. – Vendo a filha quase às lágrimas, continuou. – Mas isso não é ruim, amorzinho. Só é diferente. Nosso planeta, Adrilin, tem muitos gêmeos, mas as vezes nascem crianças que não os tem e quando isso acontece os governantes fazem estudos com essas crianças para tentar descobrir o que as faz nascer sozinhas.
– Que estudos são esses, Papai? Eles lêem histórias escritas por crianças sem gêmeos que nem as que eu invento? – as lágrimas tinham ido embora e o olharzinho tinha se acendido sob a curiosidade.
– Não, Damla. As crianças vão para um lugar especial e lá são examinadas por cientistas.
– Eu posso ir lá? Quero ver como é.
– Não! – gritou a mãe. Damla olhou para ela muito assustada.
– Meu benzinho, – o pai chamou sua atenção. – para ir para lá você teria que ficar sozinha. Nós não poderíamos ir com você. Por isso, a protegemos tanto. E é por isso também que você não pode sair na rua. Se alguém vir você, vão dizer para os governantes que nós temos uma criança una e tirarão você do papai e da mamãe.
– Eu não quero ficar longe de vocês! Não, Papai! Não, Mamãe! – e abraçou-se com a senhora.
– Nunca, minha pequena! – disse a mãe. – Fique dentro de casa, não abra a porta nem a janela, Damla. É só o que pedimos.
A menina acenou afirmativamente com a cabeça, ainda abraçada firmemente à mãe. O amor pelos pais superou a curiosidade.

Três anos depois, o governo de Adrilin começou uma busca em todas as casas, pois alguém denunciara casais que escondiam seus filhos únicos dos cientistas. Os pais de Damla resolveram, então, largar
seus trabalhos, a casa e sair do planeta.
Entraram em contato com um renegado que ajudava filhos únicos a escaparem dos campos de estudos dos cientistas e negociaram com ele passagens em uma nave para o planeta Tianrr, também do quadrante 3. Enquanto esperavam para embarcar, Damla perguntou:
– Papai, você e a Mamãe também são filhos únicos como eu?
– Como? – o pai espantou-se. – Não, querida. Eu tenho um irmão gêmeo e sua mãe tem uma irmã, mas nós nos afastamos deles para que você não corresse nenhum risco.
– Então eu tenho tios? – o pai acenou positivamente. – E primos?
– Também. – foi a mãe que respondeu. – Minha irmã teve dois meninos e o irmão de seu pai teve três meninas.
– Eles me entregariam?
– Acho que não, – disse o pai. – mas nós acreditamos que fosse melhor, para manter todos seguros, que nem eles soubessem de você, e você não soubesse deles.
– Quem sabe, nós possamos entrar em contato com eles depois de nos estabelecermos em Tianrr. Tenho saudades da minha irmã, e seu pai também sente falta do irmão. Soou a campainha de embarque.

Em Tianrr, um ano se passou antes de a família se sentir bem acomodada. Mas, apesar das dificuldades e do isolamento em Adrilin, Damla acreditava que os pais tinham feito o certo, pois agora tinha amigos e ia para a escola. Estava até em uma turma avançada, já que seu único divertimento no antigo planeta era a leitura. A jovem destacava-se na turma de pesquisa e desenvolvimento de softwares. Aos quatorze anos, já desenvolvera um programa que foi adotado pela escola para reclassificação e sistematização da biblioteca.
Os pais de Damla estavam com trabalhos melhores e já tinham até comprado uma casa de três quartos para si. Estavam também tentando contatar as famílias em Adrilin para restabelecer a convivência, na
esperança de que os filhos de todos pudessem, enfim, se conhecer.
A tia da garota cogitava, inclusive, se mudar para Tianrr também, sabendo das melhores condições de salários e de vida. Mas o contato com o tio ainda não tinha sido retomado. O pai de Damla acreditava
que o irmão ainda estava muito ressentido com o afastamento em Adrilin.
O importante é que a família da garota estava começando, enfim, a ter uma vida normal, convivendo com as pessoas da cidade onde moravam e permitindo que a jovem tivesse amigos.

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